Sérgio Mindlin*
Por todo o mundo, é uma tendência que o movimento em torno da sustentabilidade tenha forte viés relacionado ao meio ambiente. Há de se observar, no entanto, que o conceito de desenvolvimento sustentável envolve responsabilidades não apenas do ponto de vista ambiental, como também do econômico e social. Neste sentido, a aprovação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, há 20 anos, representa inegavelmente uma contribuição importante para o desenvolvimento sustentável do Brasil. A lei é um eixo fundamental para a justiça social.
O norte do estatuto é o da proteção integral: o ECA determina que é dever de toda a sociedade garantir vida digna à criança e ao adolescente, prevendo o cumprimento de direitos referentes à saúde, alimentação, educação, lazer e cultura, para citar os mais básicos. Além disso, o ECA representa a perspectiva de sustentabilidade de longo prazo, pois crianças cujos direitos são assegurados tornam-se adultos mais preparados, inclusive para lidar com o futuro da humanidade.
Nesses 20 anos, o estatuto possibilitou uma série de conquistas sociais, como redução do trabalho infantil e a universalização do acesso das crianças à escola no nível fundamental. Um dos seus aspectos mais importantes foi a criação dos conselhos dos direitos, órgãos de constituição paritária entre o poder público e a sociedade civil. Sobretudo no âmbito municipal, os conselhos, ou CMDCAs, têm a responsabilidade de estabelecer a política de atenção ao público infanto-juvenil e de aplicar recursos financeiros recebidos via Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, canal preferencial do envio das somas destinadas pela iniciativa privada a projetos sociais que viabilizam a proteção da infância e juventude.
Um dos objetivos dos conselhos municipais de direitos é que a sociedade como um todo se articule para exigir que os recursos públicos sejam bem aplicados. Isso exige um corajoso ordenamento desses organismos, permitindo ampla participação social em sua constituição. No entanto, nem sempre se observa isso. O processo de escolha de seus representantes ainda é restrito em cidades de grande importância no cenário brasileiro. Em sua concepção, a ideia de envolver a sociedade civil no processo de formação dos conselhos tem muita força de representação e participação.
A prática efetiva, porém, precisa ser aprimorada. Se bem conduzida, a escolha dos membros dos CMDCAs tem o poder de fortalecer esses organismos e de fazer crescer a captação de recursos, principalmente os advindos da iniciativa privada, que pede garantias no que se refere à aplicação sustentável do dinheiro investido. Consequentemente, é uma forma de esses organismos ganharem relevância, uma vez bem entrosados com a sociedade civil organizada e atendidos seus anseios. Há dez anos, a Fundação Telefônica investe em um programa que visa à garantia de direitos da criança e do adolescente, já tendo direcionado cerca de R$ 35 milhões para essa finalidade.
Um dos grandes objetivos perseguidos pela instituição nesse período tem sido a divulgação do ECA, através do portal Pró-Menino, hoje uma referência na área, assim como seu Concurso Causos do ECA, que há seis anos traz à luz histórias reais de transformação de vidas a partir da correta utilização do estatuto.
“Conhecer para aplicar” tem sido o mote de sustentação do portal. O ECA veio para modernizar o modelo de doutrina, garantir direitos e determinar deveres. Mas cabe à sociedade – ou seja, a cada um de nós – garantir que seja mesmo aplicado, para melhorar a realidade a partir dele e vivermos de forma mais sustentável.
*Sérgio Mindlin é diretor-presidente da Fundação Telefônica
FONTE: http://site.gife.org.br/artigo-o-eca-como-fator-de-sustentabilidade-13852.asp