**06/05/10 Chet Tchozewski*
Uma borboleta pronta para voar representa o chamado “efeito borboleta”; a idéia de que eventos aparentemente triviais podem ter um grande impacto em sistemas de adaptação complexos. O pequeno movimento de ar da asa de uma borboleta, por exemplo, pode contribuir com a formação de um tornado.
Para cientistas, o efeito borboleta ilustra a idéia de que, às vezes, uma pequena força – mesmo longe ou de algum tempo atrás – pode, ao final de contas, ter um impacto surpreendente num sistema de grande porte. Devido ao meu grande interesse na causa – o efeito da filantropia – estou fascinado com o efeito borboleta na mudança social, mesmo com toda a sua ambiguidade. Eu me pergunto com freqüência: quem está atrás dos maiores eventos da História Humana?
Nem obviamente nem imediatamente, mas três ou quatro passos atrás, em especial, está o papel da filantropia obscura e indireta em semear mudanças sociais não explicáveis. Por exemplo, fiquei surpreso ao ficar sabendo de que nos anos 50, minha amiga e colega Cora Weiss, da Fundação Samuel Ruben, teve uma mão insuspeita em definir o curso da vida de um estudante queniano.
Em 1959, Barak Obama, Sênior, recebeu uma bolsa de estudos da Fundação de Estudantes Africanos Americanos (AASF), onde Cora era Diretora Executiva, para estudar na Universidade do Havaí. Será que Os Estados Unidos teriam hoje um presidente negro se a AASF não tivesse dado uma pequena bolsa ao pai dele? Será que a maioria das fundações de hoje teriam condições de predizer o mais improvável “efeito borboleta” em uma das suas doações? Provavelmente não; mas coisas improváveis ainda acontecem.
Construindo resiliência Mas o potencial do efeito borboleta não é a única vantagem das pequenas doações. Mais importante é a lentidão previsível no processo de construção de uma resiliência no complexo sistema social que conduz as mudanças sociais. O trabalho da Aliança da Resiliência e os livros como Panarquia e o de Frances Westley, “Getting To Maybe: How The World is Changed (Chegando Até o Talvez: Como o Mundo Está Mudado”) (1) estão fazendo significativos progressos ao traduzir as lições dos ecossistemas da natureza para os complexos sistemas de adaptação da sociedade.
O que inicialmente aparenta ser uma falha catastrófica nos ecossistemas naturais como um incêndio florestal, por exemplo, serve eventualmente para fortalecer a resiliência de sistema como um todo (solo, hidrografia e floresta) ao restaurar a biodiversidade em todos os níveis. O mesmo se aplica aos sistemas sociais. Se eles são dominados em demasia por uma gama de ideais, tornam-se vulneráveis.
Os movimentos sociais tentam estimular as adaptações sociais desvelando as fraquezas ocultas antes de chegar ao colapso total do sistema. Elas são os incêndios florestais que restauram a resiliência aos sistemas sociais que correm perigo de quebrar. Por exemplo, o movimento da não-violência contra o golpe militar de Honduras, no ano passado, a princípio alarmou algumas pessoas que temiam que as coisas piorassem, mas rapidamente ganhou apoio popular porque tinha como objetivo restaurar o governo democraticamente eleito.
O levantamento espontâneo do “poder popular” inspirou os Doadores Verdes da Diretoria do Comitê de Conselheiros da América Central a mudar os recursos de projetos ambientais locais como florestas comunitárias afim reforçar mais ainda os esforços para estabilizar a sociedade.
O renomado livro de Paul Hawken, Blessed Unrest (Abençoada Intranquilidade), gosta de comparar este processo de desenvolver resiliência àquele do sistema imunológico: um complexo e auto-organizado sistema biológico adaptável que pode aprender com seus erros para antecipar ameaças que ainda não existem.
O Fundo Global Greengrants desenvolveu uma estratégia de pequenas doações, lideradas por conselheiros ativistas locais, para ajudar o movimento global do meio ambiente a construir pacientemente uma resiliência lenta e vagarosa a fim de desenvolver-se com confiança.
É eficiente não só como pesquisa da evasiva “bala mágica” do efeito borboleta como também estratégia para mudanças sociais enraizadas na percepção de três inter-relacionados e evolutivos grupos de raciocínios sobre mudanças sociais: ciência da resiliência, análise da rede social, teoria do movimento social e teoria do comportamento coletivo.
As pequenas doações como estratégia Em primeiro lugar, “pequenas” doações são frequente e erroneamente definidas pela perspectiva do doador e não do receptor. Para alguns doadores, as pequenas doações podem chegar até US$100.000.
Desafortunadamente, o tamanho médio internacional de doações é muito maior para ser diluído efetivamente até o nível comunitário, onde a capacidade de absorção é limitada.
Doações de porte são necessárias, mas a parte mais despercebida do espectro são as pequenas doações. Neste ponto reside o maior potencial para alavancar o crescimento. No Greengrants, nós acreditamos que no mundo em desenvolvimento uma doação deve ser de US$ 5.000 para ser considerada uma pequena doação. Acreditamos que nossas pequenas doações equivalem aproximadamente ao salário integral de um organizador comunitário dos países em desenvolvimento onde fazemos as doações; onde um pouco vale muito.
Os líderes filantrópicos com frequência presumem incorretamente que as pequenas doações não são estratégicas, mas um expediente para pequenas fundações com passivos pequenos e de um pequeno número de pessoal. Esta edição da “Alliance” dissipa a idéia e mostra como uma estratégia de pequenas doações bem concebidas pode ter um imenso impacto quando disciplinadamente bem executadas, numa escala visionária.
Em “Resilience Thinking” (Pensamento de Resiliência), Brian Walker e David Salt, descrevem como “paisagens e comunidades absorvem perturbações e se mantem operativas” num contínuo “ciclo de resiliência”. Um entendimento das quatro fases do ciclo de resiliência (exploração, conservação, liberação e re-organização) ajuda os conselheiros do Greengrants a reconhecer quando e onde liberar os recursos para dar apoio aos movimentos sociais que permitem as mudanças.
As organizações dos movimentos sociais, como as que o Greengrants apóia, estão se espalhando pelas entranhas das quatro fases do ciclo; porém a maioria está agrupada na fase de “re-organização”, porque elas tem a tendência de emergir durante ou logo após um distúrbio em alguma parte do sistema dominante (tal e qual o crescimento rápido do movimento para democratizar a Organização Mundial do Comércio” depois dos distúrbios da “Batalha de Seattle” em 1999).
Na teoria do movimento social, esse momento seria uma “oportunidade política” nova e regular frente à inesperada debilidade do opositor das mudanças e portanto, um momento fértil para um bem sucedido progresso do movimento. Dinâmica dos movimentos sociais O Fundo Global Greengrants faz pequenas doações para as bases de grupos de movimentos ambientalistas em países em desenvolvimento porque descobrimos que é a melhor maneira de lidar compreensivamente com a vasta gama de preservação ambiental e problemas de justiça social que hoje o mundo enfrenta sem ter que apenas movê-los de uma localidade para outra. No entanto, temos que gerenciar cuidadosamente os custos da transação; o que é outro motivo do porque a nossa rede de 125 acurados conselheiros é crucial.
Fontes das ONGs estimam que o custo fixo de cada doação para o exterior feita por fundações dos EUA é de US$ 5.000 e outras doações menores que $10.000; ou até quando a evidência claramente indicar que doações menores podem gerar um retorno melhor de mudanças sociais pelo investido. Como consequência, pouquíssimas fundações fazem doações suficientemente pequenas para serem absorvidas pelos grupos locais de base. Temos o objetivo de eliminar esse vácuo.
O tamanho da doação média da Greengrants consiste em aproximadamente $4.000 e o nosso “custo de transação” é de aproximadamente $2.000, mesmo com a nossa rede de voluntários. No entanto, estamos respondendo ao chamado de “pensar globalmente e agir localmente” ao fazer simultaneamente centenas de doações pelo mundo. Este ano faremos como 750 doações abaixo de $ 5.000, perfazendo um total de $ 3,8 milhões.
A maioria das estratégias de doações para mudanças sociais, por coincidência ou deliberadamente, parecem se alinhar em volta de uma combinação de quatro teorias dominantes de mudanças sociais que tem surgido em volta das pesquisas dos acadêmicos de Ciências Sociais sobre as variáveis dependentes no sucesso dos movimentos sociais:
– Mobilizando estruturas (instituições, ONGs, grupos de pensadores, Institutos de Políticas, igrejas, sindicatos, redes). – Mobilização de recursos (financeiros, humanos, material).
– Enquadramento (relações públicas e com a mídia, políticas alternativas). – Processo político e oportunidades inesperadas (troca de alianças entre as elites políticas que podem criar fraquezas inesperadas para serem exploradas). Financiamento dos imprevistos Deixar a autoridade de doar nas mãos de uma rede global de líderes locais de movimentos sociais parece ser a melhor maneira de mobilizar os recursos e permitir que as pessoas respondam com sucesso à incomum, fugaz e imprevista oportunidade política. A habilidade para reagir desta forma depende de várias coisas: conhecimento profundo da cultura dominante, relação com o movimento subcultural, vasta experiência pessoal no próprio movimento e, o mais importante, a “intuição”.
A maioria dos filantropos não tem estas qualidades. Por isso, na Greengrants, temos aparelhado a rede global existente de líderes ambientais e sociais que tem esta combinação de habilidades para desempenhar o papel de tomadores de decisões e de rede de distribuidores de nossas doações em pelo menos 120 países em desenvolvimento. Financiar oportunidades inesperadas implica em habilidade para agir com rapidez.
Em Abril de 2.000, nosso coordenador chinês, Wen Bo, nos informou que a TV Central Chinesa havia alocado um espaço para apresentar um documentário de uma hora sobre o meio ambiente no quadragésimo aniversário do Dia da Terra.
Porém, Wen Bo, precisava de uma doação de $500 para pagar uma taxa para a Rede Canadense de Emissoras dentro de 24 horas para que pudesse ser traduzido. Contatamos a CBC e pagamos a taxa no mesmo dia. Não sabemos quantos chineses assistiram ao programa, mas com uma população de 1,3 bilhões e apenas uma rede de TV na China, a alavancagem potencial por conta de $500 é imensa.
Oportunidades como essa nem sempre aparecem, mas quando aparecem, o doador tem que estar preparado. Maestria e intuição em doar Como no xadrez, a filantropia e os movimentos sociais têm seus “mestres”. Nos movimentos sociais são os líderes locais que parecem ter um senso estratégico peculiar no que fazer a seguir e como seu oponente responderá. Eles têm a flexibilidade proveniente apenas de uma vida de aprendizado e recuperação de repetidos fracassos, que se conhece por “distúrbios sistemáticos” na teoria da resiliência.
Eles desenvolvem círculos de feedbacks rápidos e de olhar afiado. Esta instituição lhes permite identificar as fraquezas nos padrões social e politicamente dominantes que são uma oportunidade para os movimentos. No entanto, eles raramente tem acesso instantâneo aos recursos extras que podem ter muito sucesso quando estão diante de uma oportunidade potencialmente decisiva.
Redes Sociais – confiança estrutural por motivos políticos A rede global Greengrants dos conselheiros de ativistas locais surgiu em meados dos anos 90, da necessidade e do desejo de fazermos pequenas doações, rápidas e baratas, em alguns dos lugares mais remotos do planeta – Amazonas, Sibéria, leste da Rússia e o arquipélago indonésio.
Então, fomos primeiro para a Rede de Combate pelas Florestas Amazônicas, onde já sabíamos que poderíamos confiar e que, logo depois, se criou uma colméia de ligações livres globais de redes de ativistas incluindo.
A Rede de Ações para Pesticidas, Rede de Rios Internacionais, Amigos da Terra e o Instituto da Ilha da Terra – cinco organizações globais de meio porte focadas em campanhas para a arrecadação de doações e que em conjunto começaram a distribuir para nós, aproximadamente, meio milhão de dólares por ano.
Após muitos anos de crescente sucesso com o modelo, estas cinco redes sugeriram que expandíssemos a rede de distribuição para incluir líderes locais nos lugares mais distantes de rede deles criando conselheiros regionais no Brasil e na Rússia e, eventualmente, ao redor do mundo em 13 regiões do oeste da África à China incluindo as Ilhas do Pacífico.
O que robustece a rede Greengrants de conselheiros das doações, disse Harald Katzmier, da FAZ Research, é a cultura de responsabilidade não hierarquizada e a confiança na estrutura que amplia o capital social pré-existente entre estas redes. Além do mais, a rede se caracteriza pela extrema generosidade para com aqueles que precisam de dinheiro para seu próprio trabalho (os conselheiros).
Eles compartilham livremente suas opiniões para que o dinheiro doado a eles beneficie a outros que necessitam mais ainda. De acordo com Katzmier, esta singular estrutura de confiança ajuda a estabilizar desde a rede básica (100 doadores) à semiperiférica (150 pessoas e conselheiros) até a periférica (5.000 beneficiados) tornando-se um círculo virtuoso sustentável. Muitas redes de interconexões globais de doações de fundos intermediários como o Fundo Greengrants, tem aparecido nos últimos 20 anos para apoiar simultaneamente muitos movimentos globais.
Estes incluem a Rede Internacional de Fundos das Mulheres, o emergente Fundo Greengrants “Alliance” (CASA no Brasil; Instituto Samdhana na Ásia sul oriental e FASOL, no México) e uma rede informal de fundos de direitos humanos apoiada pela Fundação Ford com $ 100 milhões: a Iniciativa Para Reforçar a Filantropia.
Apesar de não organizarem-se explicitamente para pequenas doações, muitos desses fundos estão cientes do valor das pequenas doações porque entendem que o tamanho da doação é importante para apoiar os movimentos sociais. Nossa suposição no Fundo Global Greengrants é que certamente sabemos muito pouco sobre mudanças sociais; principalmente aquelas que são irreversíveis nas normas sociais e que acontecem de fato porque as variáveis são muito complexas e dinâmicas.
Mas sabemos que os movimentos sociais historicamente sempre tiveram um papel visivelmente importante. Além do mais, as comunidades organizadas para movimentos sociais tem sido tradicionalmente a única ferramenta ao alcance dos mais fracos. Nós, portanto, focamos no que a evidência nos mostra e o que faz com que os movimentos sociais sejam bem sucedidos; ou seja; colocando recursos financeiros nas mãos dos mestres estrategistas dos movimentos sociais: os líderes auto-impostos que podem aproveitar ao máximo as vantagens numa situação política inesperada; isto é; quando eles a percebem, mesmo que não possam compreendê-la totalmente.
Definindo “pequenas” doações- o quanto é suficiente? Estas variáveis são sempre importantes em qualquer nível e em cada situação; no entanto isto é cada vez mais reconhecido na escala global. Nicky McIntyre e Ann Hillar, da Mama Cash, explicam a estratégia da Mama Cash para fazer poucas, porém doações maiores; isto é; em parte para preservar os recursos que depois podem ser re-alocados a outros agentes como assistentes técnicos para reforçar as estruturas móveis, enquadramento de temas e dar respostas a processos políticos.
O argumento deles é convincente, mas o novo enfoque certamente não funcionará melhor que a estratégia de pequenas doações que surgiram para a Mama Cash ao dar respostas às necessidades do movimento global feminino nas últimas três décadas. Nonette Royo, do Instituto Samdhana, das Filipinas, descreve as vantagens das pequenas doações para “construir um repositório de conhecimento local” a fim de contribuir com as probabilidades de sucesso da expansão da estratégia de mudanças climáticas, chamada de REDD – Reduzindo Emissões da Degradação da Floresta e Desmatamento. “Mais uma vez, as pequenas doações tem dado provas de ser elemento crucial para aquelas atividades que também tem impacto”, ele argumenta.
Avaliando o Impacto Maya Ajmera, do Fundo Global para Crianças, afirma que um modelo mensurável deve incluir dados tanto quantitativos como qualitativos, reconhecendo implicitamente a observação de Einstein que “nem tudo que pode ser medido é mensurável e nem tudo que é mensurável pode ser contado”.
Como mencionei anteriormente, nós não entendemos o suficiente o complexo sistema de adaptação da sociedade como, por exemplo, saber o que a filantropia deveria fazer para mudar as normas sociais numa escala global para resolver problemas insolúveis como violência, pobreza e injustiça. Se nós não sabemos o que fazer, é especialmente desafiador medir o impacto e comparar os resultados. No entanto, devemos continuar tentando, com mente aberta e humildade que vem da autoconfiança do reconhecimento de nossa ignorância quanto ao processo social.
Se não mensuramos, não podemos aprender. Mas devemos evitar dar muita ênfase à mensuração que pode inibir a criatividade, a inovação e enfrentar riscos sem ter essa intenção. Além do mais, avaliar custa dinheiro, por isso devemos sempre nos perguntar: estamos aprendendo o suficiente para justificar o custo, ou estamos apenas reafirmando temas que são óbvios e irrelevantes? Devemos procurar fazer o que a analista de tecnologia Ester Dyson disse: “cometa sempre erros”.
Mais uma coisa Na filantropia existe um inegável relacionamento emergindo entre três correntes interdependentes: doadores que fazem doações pequenas e flexíveis aos líderes dos movimentos sociais, investidores que fazem micro- empréstimos para prover sustento e aqueles que se especializam em premiações, troféus e bolsas de estudo para empreendedores sociais. Todos estes três enfoques procuram identificar, alavancar e escalar esforços e discernimento que reflita numa habilidade nas mudanças sociais.
Todos nós desejamos dar apoio ao tipo de pessoa que não deixe de fazer seu bom trabalho se você pagá-la para sair. Isso é o que as pequenas doações podem fazer de melhor. *Chet Tchozewski é Presidente do Fundo Global Greengrants, que ele organizou em 1993.
Faz parte do Conselho Diretor do Conselho de Fundações e preside o Global Philanthropy Commitee. Seu trabalho pioneiro em pequenas doações internacionais deu-lhe o prêmio do Council on Fundations Robert W Scrivner Award for Creative Grantmaking. 1 Chegando ao Sim: “Acordos de Negociação Sem Ceder”, é um livro clássico de Roger Fisher e William Ury, do Projeto de Negociação de Harvard.
“Alcançando o Talvez: Como o Mundo Mudou”, é um livro de Frances Westley, de 2006, sobre resiliência, que nos lembra que não podemos chegar ao “Sim” sem chegar primeiro ao “talvez”.
FONTE: http://www.gife.org.br/alliancebrasil/noticias.php?codigo=199#